As hérnias discais desaparecem sem tratamento?
É um problema grave e só é resolvido com cirurgia”. Se já teve ou tem uma hérnia, é provável que já tenha ouvido esta frase, ou outra do mesmo género. Leia o artigo até ao final. Tenho a certeza que ficará com uma ideia diferente deste problema.
O medo da hérnia discal
Um diagnóstico de hérnia discal pode ser assustador. É provável que tenha começado a ter dores na coluna, por exemplo no fundo da coluna, e talvez até com sintomas por uma das pernas, e a preocupação instalou-se na sua cabeça.
Foi fazer uma ressonância e disseram que tinha uma ou várias hérnias discais lombares, e a sua mente disparou medos e receios. “Vou ter dores para sempre? As hérnias só vão piorar! Se não fizer cirurgia vou deixar de andar?”
Fique tranquilo. Este artigo vai conseguir responder a todas estas perguntas e muitas mais.
Tenho boas notícias para si. Uma hérnia discal não é uma sentença de incapacidade, muito menos de dores para o resto da vida. Apenas 5% das hérnias discais obrigam a uma intervenção cirúrgica. E este número é conservador, no sentido em que provavelmente é até menor (na volta dos 2, 3%).
Em muitos casos, as hérnias discais não dão sintomas
Talvez não estivesse à espera de ler a frase que acabou de ler. Sempre nos foi dito que as hérnias discais causam dores horríveis, prendem o nervo ciático e, na pior das hipóteses, deixamos de andar por falta de força. E é verdade. As hérnias discais podem fazer isto tudo.
O SARS-Cov-2, popularmente conhecido como COVID-19, é responsável pela morte de muitas pessoas, mas curiosamente deixa outras tantas completamente assintomáticas. Não é uma ciência exata e ainda não se percebeu muito bem, à data de hoje, porque é que isto acontece. Da mesma forma, há hérnias discais que provocam sintomas e outras que não provocam sintomas nenhuns.
É verdade, nem todas as hérnias discais causam sintomas. Aliás, a maior parte delas, como vamos ver a seguir, são completamente assintomáticas.
Há provas?
Existem vários estudos científicos que têm vindo a demonstrar aquilo a que se chama “regressão espontânea” das hérnias discais. Muitos destes são estudos de caso, ou seja, é feita uma observação deste fenómeno em apenas uma pessoa. Não tem muita validade científica, mas se tivermos milhares, começa a ser relevante.
Podemos categorizar as hérnias discais em termos de gravidade, sendo que a mais ligeira é degeneração do disco (que não está na imagem), depois a protusão discal, a seguir a extrusão discal e a mais grave é o sequestro discal.
Estas imagens podem deixar qualquer pessoa apreensiva, sabendo que isto está a acontecer na sua coluna. Aqueles feixes que o núcleo pulposo (a substância que sai do disco) está a pressionar são os nossos nervos, que inervam todos os nossos tecidos, desde ligamentos, músculos, fáscias, etc. Mas agora leia o que os estudos nos dizem.
O que nos diz a ciência
Os dois estudos que vos trago são revisões sistemáticas, que congregam dezenas de estudos. O primeiro estudo, de 2015, conclui que as taxas de regressão dos vários tipos de hérnias discais são:
- Sequestro – 96%
- Extrusão – 70%
- Protusão – 41%
- Degeneração – 13%
Estas são as percentagens de regressão dos vários tipos de hérnia discal. A pergunta seguinte é: quanto é que cada uma destas hérnias regride espontaneamente? O estudo também nos diz que a percentagem de regressão das hérnias extrusadas é de 15% e das hérnias sequestradas é de 43%. Não parece muito, mas é o suficiente para deixarem de lhe provocar os sintomas que são incapacitantes, como a dor.
O segundo estudo dá-nos os níveis de regressão das hérnias discais nos vários países onde os estudos foram feitos. Por exemplo, no Reino Unido, esta percentagem é de 82,94%. No Japão é de 62,58% e, no geral (do estudo), a taxa de regressão das hérnias discais é de 66,66%.
Ou seja, dois terços de todas as hérnias discais regridem espontaneamente. Isto faz-nos concluir que a grande maioria das hérnias não precisa de cirurgia.
Nem os jovens têm colunas “100% saudáveis”
Vamos pegar no exemplo de pessoas mais saudáveis que conseguimos encontrar: jovens adultos entre os 18 e os 22 anos candidatos à Força Aérea. Este foi um estudo feito em 2015 (presumo em Itália, olhando para os nomes dos autores do estudo).
Estes investigadores avaliaram a existência de “achados radiológicos” (ou seja, lesões) em 350 jovens. E o que é que eles descobriram?
- 270 (77%) tinham algum tipo de alteração nos discos;
- 106 (30%) tinham discos desidratados;
- 47 (13%) tinham discos mais achatados;
- 176 (49%) tinham degenerações dos discos;
- 62 (18%) tinham protusões discais;
- 28 (8%) tinham extrusões discais.
Dois candidatos até tinham fraturas vertebrais. O mais importante a reter é o seguinte: todos eles, sim todos os 350 candidatos, estavam assintomáticos. É verdade, não tinham qualquer sintoma. Estes resultados são muito parecidos aos da população em geral, conclui o estudo.
Quanto mais “lesões”, mais provável é ter dor
Por isso é que não podemos simplificar assuntos complexos. Não é completamente irrelevante ter ou não ter este tipo de achados radiológicos na coluna. Tê-los não é uma sentença, não quer dizer que venha a ter dores ou que as dores que tem são por causa deles.
Por outro lado, quanto mais protusões e prolapsos e extrusões discais tiver, mais provável é de vir a ter dores. Isto porque são um sinal de desgaste do corpo, tal como as rugas. A diferença é que as rugas não causam dor (física pelo menos).
Este estudo de 2015 demonstrou que os achados nas ressonâncias magnéticas de protusão, degeneração e extrusão discal são mais comuns em adultos de 50 anos (ou mais jovens) com dor nas costas em comparação com pessoas assintomáticas.
Conclusão
O texto já vai longo, portanto vamos sistematizar a informação:
- Apenas 5% das hérnias discais obrigam a uma intervenção cirúrgica;
- Nem todas as hérnias discais causam sintomas. Aliás, a maior parte delas são completamente assintomáticas;
- Dois terços de todas as hérnias discais regridem espontaneamente. Isto faz-nos concluir que a grande maioria das hérnias não precisa de cirurgia;
- Nem mesmo os jovens mais saudáveis têm colunas 100% livres de problemas nos discos, mesmo os que não têm sintomas;
- Quanto mais protusões, extrusões e sequestros discais tiver, maior a probabilidade de vir a ter dores nas costas.